De Fabíola Terra Baccega
Escorro meus olhos pelas linhas do papel que escolho para garabulhar. A página em branco me instiga. Nela cabem possibilidades que desafiam minha imaginação. Transito com o olhar até a margem inferior e retorno ao início. Os traços que cortam a folha são retas paralelas que, segundo a geometria não euclidiana, se afrontarão no infinito. Encontro dificuldade em acatar essa tese. Prefiro supor que elas perseguirão uma a outra, enquanto meu infinito existir.
Entre as linhas, espaços vazios assumem identidade e forma, pelo simples fato de ali se acharem confinados. Encontra-se neles apenas o nada, o branco e fluido vazio que terá que ser ocupado.
Sobre as retas descansarão palavras, frases, sentenças, que juntas gerarão um texto.
Nelas tudo se torna possível. Tudo, elas absorvem.
O tempo correu, e se tornou imperioso que alguma ideia tivesse tomado forma, que um tema fosse criado. Me embrenhei, no entanto, no mistério das linhas e espaços e não consigo escapar desse devaneio. Minha mente me engana e, ao tratar de obter a significância, me extravio no abissal desencontro das ideias.
Tomo a decisão de começar com a primeira imagem que reverbera em minha mente. Esboço uma palavra que imagino ser um bom começo. Não dou cabo de continuar. Risco. Uso a caneta, e na lauda penetram rabiscos incompreensíveis. A folha, antes de brancura imaculada, se torna um emaranhado de palavras desconexas. Desgostosa com o que vislumbro, me intrigo com minha obsessão pela página em branco. Me dou conta de que sou tomada por um sossego inquietante ao mergulhar nessa vastidão infértil.
Outra folha. Outras ideias. Não sofrerei com rasuras ou erros.
Desenho novas palavras que desabam sobre as retas que cortam o papel. Agrupadas, se intrincam e parecem dar significado ao que almejo dizer. Ao findar a primeira parte, observo que delineei pensamentos dissonantes apenas. A folha é retirada com um movimento brusco de impaciência, desânimo e frustração. Após um breve instante de reflexão, reinicio. Submerjo na nova lâmina, limpa, alva, perfeita. Minha loucura se dilata quando tomo consciência de que não devo manchar esse espaço com palavras que não sejam adequadas e bonitas. E que, juntas, se amalgamem em um texto. Sem atingir o desenlace, sem possibilitar a escrita e por não desejar macular com palavras vãs, registro o título no canto superior esquerdo e meu nome no canto inferior direito.
Entre eles, jaz uma página em branco.
Ótimo texto!!! Adoro o uso da metalinguagem.